domingo, 23 de dezembro de 2007

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Género e pontos de vista

Judith Butler (1990) considera que o feminismo cometeu um erro ao considerar as mulheres como um grupo de pessoas com interesses e características comuns, fazendo assentar portanto, toda a sua ideologia numa visão binária das relações de género, em que os seres humanos aparecem claramente divididos em dois grupos fechados e delimitados por determinadas características e interesses comuns, assente numa visão patriarcal da sociedade em que feminino e masculino se imporiam inevitavelmente sobre os corpos dos indivíduos, mediante acção da cultura. Voluntária ou involuntariamente, tudo o que não se enquadrasse neste arquétipo de normalidade seria esquisito (queer [Queer Theory, que em rigor ultrapassa as questões referentes aos comportamentos e opções sexuais dos indivíduos, devendo ser enquadrada em correntes de pensamento ocidental contemporâneo que problematizam e colocam em causa conceitos e noções clássicas de sujeito]).


Assim, no seu ponto de vista, as questões de género são fluidas e variáveis consoante os contextos em que se produzem, de alguma forma neste aspecto em consonância com Margaret Mead (1979), a partir da análise de três sociedades na Nova Guiné, Os Tchambuli (actualmente Chambri), os Arapesh e os Mundugomor. Em Sexo e Temperamento (1979) a questão do género e temperamento nos Tchambuli aparece como que invertida face aos valores ocidentais dominantes na América do século XX; os homens dedicavam-se a actividades de ornamentação e de embelezamento corporal, por exemplo, enquanto que as mulheres possuíam um carácter mais prático e virado para o trabalho. Por outro lado, enquanto que nos Arapesh ambos os sexos demonstravam um comportamento pacífico, já nos Mundugomor esta característica era invertida, aparecendo-nos ambos como tendencialmente bélicos.

Ambas as autoras apresentam a questão de género, como susceptível de influências culturais, ultrapassando portanto, a questão meramente biológica. Será pois, presumivelmente, neste vácuo identitário de género, preenchido pelas circunstâncias concretas em que determinado sexo (qualidade de um também determinado indivíduo) recebe as influências de género, que a questão travesti poderá encontrar um dos seus fundamentos ontológicos. Butler afirma:

There is no gender identity behind the expressions of gender; ... identity is performatively constituted by the very "expressions" that are said to be its results.' (1990: 25).

Dito de outra forma, para esta autora a questão do género, não é mais que uma performance, um desempenho de um papel consentâneo com determinado estatuto que aquele lhe atribui previamente (Goffman 1993).
Judith Butler 1990 Gender Trouble
Margaret Mead 1979 Sexo e Temperamento

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Como se casa (ou não) em Portugal

Acompanhei de perto um processo de casamento entre um cidadão português e uma cidadã brasileira, o que passo a relatar delimita a ténue linha entre o sim e o não; após se terem dirigido ao cartório na Avenida Fontes Pereira de Melo, onde se encontram agora concentradas todas as conservatórias de Lisboa, foi-lhes facultada numa dessas conservatórias a informação de que eram necessários três documentos para a cidadã brasileira poder contrair matrimónio civil com o tuga, a saber; certidão de nascimento tirada no Brasil e autenticada num consulado português nesse território, certidão de nacionalidade emitida pelo consulado do Brasil em Portugal e finalmente uma certidão provativa do seu estado civil. Em contacto telefónico mantido com o consulado português em Salvador, são informados que a autenticação da certidão de nascimento só poderia ser realizada perante a certidão do estado civil. Óptimo!!Então tiravam-se as duas de uma vez só e levavam-se ao consulado. No consulado tudo correu bem e a papelada é enviada para Portugal onde se iria juntar ao certificado de nacionalidade. Já tinham tudo, dirigem-se então a uma das conservatórias, onde uma funcionária emproada (emperuada??) começa a observar os documentos com ar de conhecedora (faltavam-lhe os bigodes para acariciar com os dedos), parecia uma escanção com profunda experiência na matéria...Opss!! Franziu a testa e logo de seguida o nariz...epah!!!
- Este certificado não está correcto- referia-se àquele que o consulado português tinha exigido para poder autenticar a certidão de nascimento, tendo-o feito efectivamente.
O português responde- ahhh deve ser a isso que se referem quando falam em poderes discricionários do estado, né??
- Não!!-diz ela com um ar experiente e dominador- depende da interpretação que o conservador fizer da lei!!-agora digo eu...mas ela não era conservadora...porque não o/a questionou sobre isso?Será a isso que se referem como delegação de poderes??hum... o português vira-lhe então as costas (um tipo malcriado depois de ser tão bem atendido), a cidadã brasileira ainda a atura mais um pouco, quase chorando perante tão grande demonstração de sabedoria e poder. Ele aguardou-a à porta da dita conservatória e quando ela saíu da sala da sabedoria administrativa e de interpretação de leis por uma SENHORA escrivã, disse-lhe para tentarem outra das conservatórias e assim fizeram.
Entram...receosos...afinal de contas eram os prevaricadores, mas um senhor super bem disposto atende-os, olha para os papéis e desde logo coloca de parte o motivo da todas as ilegalidades, o certificado do estado civil da senhora, dizendo - este não é necessário, pois sem ele o consulado português não teria autenticado a certidão de nascimento.
Observando, pensei...Isso é um sim?? Sejam pois felizes para sempre, o matrimónio está consumado!!! Fontes próximas informaram-me que também rato (uma das condições católicas para o casamento ser válido), ahh!!ok...Rato neste caso significa...como hei-de dizer??hum...com lua de mel realizada e praticada...pois é isso mesmo. Conclusão da história, afinal o SIM já não depende só dos noivos na 6ª conservatória do registo civil, na Avenida Fontes Pereira de Melo, há sempre que contar com o NÃO de algumas funcionárias ciumentas e profundamente conhecedoras da interpretação (do espírito e letra) da lei que o conservador realiza. Será que se o tuga lhe tivesse falado no espírito da lei, ela acreditaria na vida para além da morte dos códigos e das inúmeras letras que os compõem??

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Tropa de Elite



Atenção: Antes de carregar no play do video abaixo certifiquem-se de que as colunas têm o Bass no máximo. ;)






Quem já teve o prazer de visionar o filme: "Tropa de Elite" , simultaneamente homologo e antipoda (dependendo da perspectiva) do Galardoado "Cidade de Deus", terá tido a oportunidade de mais uma vez reflectir sobre a temática da violencia no Brasil, abordada no post anterior pelo colega Lughosi.

De facto a realidade da favela parece perpectuar-se numa eterna luta entre lugares, posições , planos e perspectivas por parte dos cidadãos brasileiros, quase sempre com base no lugar onde se nasce seja ele fisico, economico ou cultural. Desta forma se constroem e celebram discursos de distinção e repudio de parte a parte. No video escutamos o discurso construído de dentro para fora da favela. Para conhecermos melhor não só o discurso e o ataque elaborado de fora para dentro, bem como toda uma dinamica relacional e funcional transversal á sociedade brasileira, aconselho vivamente o visionamento deste filme de excelencia.